Os olhos das renas mudam de cor com as estações e são os únicos mamíferos com esse poder

Rena marrom com chifres grandes e arreio olhando para câmera em neve com outra rena ao fundo renas
Os olhos das renas mudam de cor com as estações e são os únicos mamíferos com esse poder

Nas paisagens geladas do Ártico, onde o sol desaparece por meses, as renas guardam um segredo que parece saído de um conto de fadas: seus olhos mudam de cor com as estações. De um dourado brilhante no verão, eles se transformam em um azul profundo e misterioso no inverno. Esta não é uma ilusão de ótica ou folclore, mas uma adaptação biológica real e espetacular, tornando as renas os únicos mamíferos no mundo conhecidos por possuir este superpoder.

Esta descoberta notável, liderada por pesquisadores da University College London (UCL) e da Universidade de Tromsø, na Noruega, revelou o mecanismo por trás dessa transformação. O fenômeno é uma solução evolutiva genial para um dos maiores desafios da vida no extremo norte: enxergar na escuridão quase perpétua do inverno polar. A mudança de cor é a chave para a sobrevivência das renas, permitindo-lhes enxergar predadores e encontrar comida quando a luz é quase inexistente.

Este artigo mergulha na ciência por trás desta maravilha da natureza. Vamos desvendar como a pressão dentro do globo ocular opera essa mágica, por que um olho azul é superior na escuridão e o que essa adaptação única nos ensina sobre os limites da evolução.

De Dourado a Azul: A Descoberta Científica da Visão Sazonal

A confirmação científica de que os olhos das renas mudam de cor veio de uma série de estudos liderados pelo neurocientista Glen Jeffery, da UCL. A pesquisa, publicada na prestigiada revista Proceedings of the Royal Society B, documentou a transformação sazonal pela primeira vez. Durante o verão ártico, com sua luz solar de 24 horas, os olhos das renas exibem uma cor dourada intensa. No entanto, à medida que o inverno polar se instala, trazendo meses de escuridão contínua, os mesmos olhos adquirem uma tonalidade de azul profundo.

A equipe de Jeffery descobriu que essa mudança de cor não é superficial, mas sim uma alteração estrutural profunda em uma camada especial localizada atrás da retina, chamada tapetum lucidum. Esta é a mesma estrutura que faz os olhos de gatos e cães brilharem no escuro quando expostos a uma luz. O tapetum lucidum funciona como um espelho, refletindo a luz de volta através da retina para dar aos fotorreceptores uma “segunda chance” de capturar os fótons, melhorando a visão noturna.

O que torna as renas únicas é que a cor e a refletividade de seu “espelho” ocular mudam drasticamente. Os cientistas perceberam que essa transformação era uma adaptação direta aos níveis extremos de luz do ambiente ártico, uma solução fisiológica dinâmica para um problema ambiental extremo.

O Mecanismo de Pressão: Como um “Espelho” Interno se Ajusta

O segredo por trás da mudança de cor está ligado à pressão dentro do globo ocular. Durante o inverno, a escuridão constante faz com que as pupilas das renas permaneçam totalmente dilatadas por meses. Essa dilatação contínua dificulta a drenagem do humor aquoso, o fluido dentro do olho, causando um aumento na pressão intraocular.

Essa pressão elevada comprime o tapetum lucidum. Esta camada é composta por fibras de colágeno finamente espaçadas. No verão, com a pressão normal, essas fibras estão relaxadas e refletem predominantemente a luz amarela e dourada. No inverno, a pressão comprime as fibras, aproximando-as umas das outras. Esse novo espaçamento altera as propriedades ópticas do “espelho”, fazendo com que ele reflita a luz azul, de comprimento de onda mais curto.

É um mecanismo biomecânico engenhoso: o ambiente (escuridão) causa uma mudança fisiológica (dilatação da pupila), que leva a uma mudança mecânica (aumento da pressão), resultando em uma mudança estrutural (compressão das fibras) que, por sua vez, otimiza a função (melhora a visão noturna).

Visão Noturna vs. Acuidade: A Vantagem de Ter Olhos Azuis

Mas por que um olho azul é melhor na escuridão? A resposta está em uma troca entre sensibilidade e acuidade. O tapetum lucidum dourado do verão é altamente reflexivo; ele devolve a maior parte da luz que o atinge diretamente para fora do olho, criando uma imagem mais nítida e clara, ideal para os dias de sol constante.

Já o tapetum lucidum azul do inverno é menos reflexivo. Em vez de devolver a luz de forma limpa, ele a espalha lateralmente através dos fotorreceptores da retina. Isso torna a imagem mais “borrada” e menos nítida, mas aumenta drasticamente a sensibilidade do olho à luz. Ao espalhar os poucos fótons de luz disponíveis, ele garante que eles tenham a máxima chance de serem detectados pelas células da retina. Os cientistas estimam que essa mudança torna os olhos das renas pelo menos 1.000 vezes mais sensíveis à luz no inverno.

Para os pastores do povo Sámi, como o experiente Anders Blind, que vive com as renas no norte da Suécia, essa ciência confirma o que a observação ancestral já sabia. Ele nota como, nas noites polares, o rebanho parece incrivelmente alerta, capaz de detectar o menor movimento de um lobo na paisagem coberta de neve. Essa sensibilidade visual aprimorada, agora explicada pela ciência, é a diferença entre a vida e a morte no ambiente ártico.

Únicas no Mundo: Por que Apenas as Renas Têm Olhos Assim?

Muitos outros animais possuem um tapetum lucidum, mas nenhum outro mamífero é conhecido por mudar sua cor. A razão pela qual as renas são únicas é a convergência de dois fatores: sua anatomia e seu ambiente extremo. Elas não apenas possuem a estrutura ocular necessária, mas também vivem em um dos poucos lugares na Terra com uma variação sazonal de luz tão drástica.

Um cervo na Europa ou na América do Norte, por exemplo, também tem um tapetum lucidum, mas não experimenta meses de escuridão total que forçariam suas pupilas a uma dilatação tão prolongada a ponto de alterar a pressão ocular. A adaptação das renas é uma solução perfeitamente ajustada às exigências da vida acima do Círculo Polar Ártico.

Além disso, pesquisas posteriores revelaram outra camada de sofisticação: a visão das renas se estende para o espectro da luz ultravioleta (UV). No inverno, quando a paisagem é um branco ofuscante, a luz UV é abundante. As renas usam essa habilidade para detectar coisas que são invisíveis para nós, como a urina de predadores (que absorve UV e aparece como manchas escuras) e os líquenes (sua principal fonte de alimento no inverno), garantindo sua sobrevivência de múltiplas maneiras.

Os olhos das renas são uma das adaptações mais extraordinárias e belas do reino animal. A transição sazonal do dourado para o azul não é apenas um espetáculo visual, mas uma maravilha da engenharia biomecânica, permitindo que esses animais prosperem em um dos ambientes mais inóspitos da Terra. Essa mudança, impulsionada pela pressão e aperfeiçoada pela evolução, nos ensina sobre a incrível plasticidade da vida e a capacidade da natureza de encontrar soluções elegantes para desafios extremos. É um lembrete de que, às vezes, para ver claramente, é preciso mudar a cor dos próprios olhos.

Perguntas Frequentes

Por que os olhos das renas mudam de cor?

Os olhos mudam de cor como uma adaptação aos níveis extremos de luz no Ártico. A cor dourada no verão ajuda a lidar com a luz constante, enquanto a cor azul no inverno aumenta drasticamente a sensibilidade à luz para enxergar na escuridão polar.

Que cor os olhos das renas se tornam?

Eles são dourados no verão e se transformam em um azul profundo no inverno.

 Algum outro mamífero tem essa capacidade?

Não. Até onde a ciência sabe, as renas são os únicos mamíferos cujos olhos mudam de cor de forma sazonal.

Como a mudança de cor acontece fisicamente?

Acontece devido a uma mudança na pressão dentro do globo ocular, que comprime as fibras de colágeno em uma camada reflexiva chamada tapetum lucidum. Essa compressão altera a forma como a luz é refletida, mudando a cor percebida.

 Qual a vantagem de ter olhos azuis no inverno?

Os olhos azuis espalham mais a luz dentro da retina, tornando-os até 1.000 vezes mais sensíveis. Isso permite que as renas detectem predadores e comida na escuridão quase total do inverno ártico, embora a imagem seja menos nítida.

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