
Em novembro de 1984, a humanidade testemunhou uma das cenas mais audaciosas e de tirar o fôlego da exploração espacial. O astronauta Dale Gardner, da NASA, se tornou o primeiro satélite humano da história. Ele se soltou de sua nave espacial, flutuou no espaço sem nenhuma corda o prendendo e usou uma mochila a jato para navegar pelo vácuo escuro e capturar um satélite de duas toneladas com as próprias mãos.
Essa imagem icônica, de um homem flutuando livremente com a Terra azul ao fundo, não era de um filme de Hollywood. Foi o clímax da missão STS-51-A do ônibus espacial Discovery, uma operação de resgate sem precedentes que parecia impossível. Documentada nos arquivos oficiais da NASA, a missão foi um marco na história, demonstrando um nível de coragem e habilidade que redefiniu o que era possível para um astronauta fora de sua nave.
Este artigo conta a história por trás dessa foto lendária. Vamos descobrir por que a NASA precisou lançar uma “missão de reboque” espacial, como funcionava a mochila a jato que transformou um homem em uma espaçonave e o que aconteceu nos momentos de tensão quando tudo poderia ter dado errado.
A Missão Impossível: Resgatando Dois Satélites de US$ 200 Milhões
A história começou meses antes, com um grande problema para a indústria de satélites. Dois satélites de comunicação novinhos em folha, o Palapa B2 e o Westar 6, foram lançados em uma missão anterior do ônibus espacial, mas seus motores de foguete falharam. Em vez de chegarem à sua órbita correta, a mais de 35.000 quilômetros de altitude, eles ficaram presos em uma órbita baixa e inútil. Eram dois pedaços de lixo espacial de 200 milhões de dólares.
A NASA, em uma demonstração de confiança em seu programa de ônibus espaciais, propôs algo nunca antes tentado: ir até lá, pegar os satélites e trazê-los para casa. A missão STS-51-A foi projetada como a primeira missão de salvamento espacial da história. A equipe, comandada pelo astronauta Frederick Hauck, tinha uma tarefa dupla e extremamente complexa: primeiro lançar dois novos satélites e depois resgatar os dois que estavam perdidos.
O plano era audacioso e exigia duas caminhadas espaciais (EVAs) muito arriscadas. O astronauta Joseph “Joe” Allen e Dale Gardner foram os escolhidos para realizar a captura. Eles precisariam sair da segurança do Discovery, voar até os satélites que giravam descontroladamente e de alguma forma pará-los para que pudessem ser colocados no compartimento de carga do ônibus espacial.
A “Mochila a Jato” que Transformou um Homem em Espaçonave
A ferramenta chave que tornou essa missão possível era a Unidade de Manobra Tripulada, ou MMU (Manned Maneuvering Unit). Era uma mochila a jato de quase 150 quilos que o astronauta “vestia” sobre seu traje espacial. A MMU era movida por jatos de gás nitrogênio e controlada por dois manches, um para cada mão do astronauta. Com ela, um humano poderia se afastar centenas de metros da nave mãe, tornando-se uma espaçonave independente e ágil.
Quando chegou a hora de capturar o primeiro satélite, o Palapa B2, o astronauta Joe Allen saiu do Discovery usando a MMU. Ele flutuou no espaço em direção ao cilindro de metal gigante. O plano era usar um dispositivo em forma de arpão, chamado de “Stinger”, para se acoplar ao bocal do motor do satélite e parar sua rotação.
No entanto, o plano não funcionou. Havia uma saliência de isolamento no satélite que impedia o Stinger de encaixar. Após várias tentativas frustradas, a NASA teve que improvisar. O plano B era que Allen agarrasse o satélite com as mãos enquanto o piloto do Discovery manobrava o braço robótico da nave para agarrar o astronauta e o satélite juntos. Foi uma manobra incrivelmente delicada e perigosa, mas funcionou. O primeiro satélite estava a bordo.
A Foto que Marcou a História: Um Homem, um “Arpão” e a Terra
O verdadeiro momento de fama veio dois dias depois, com o resgate do segundo satélite, o Westar 6. Desta vez, foi Dale Gardner quem vestiu a MMU. Aprendendo com a falha anterior, a equipe de solo da NASA em Houston, liderada pelo diretor de voo Jay Greene, trabalhou a noite toda para criar um novo plano. Gardner se aproximaria do satélite, mas desta vez, o plano era que ele inserisse manualmente o Stinger no motor.
Foi durante esta segunda caminhada espacial que a famosa foto foi tirada. Dale Gardner, com a enorme mochila a jato nas costas, flutuou no espaço completamente livre, com o Stinger em suas mãos, e o planeta Terra girando majestosamente abaixo. Ele parecia um caçador espacial, um caubói cósmico se preparando para laçar sua presa. A imagem capturou a imaginação do mundo, simbolizando a audácia e a engenhosidade da exploração espacial.
Gardner conseguiu parar a rotação do Westar 6, e com a ajuda de Joe Allen, que ficou no compartimento de carga, eles conseguiram prender o satélite de duas toneladas no lugar. A missão foi um sucesso espetacular. Eles não apenas resgataram dois satélites caríssimos, mas provaram que os humanos poderiam trabalhar no espaço de maneiras que nunca haviam sido imaginadas.
O Legado do Satélite Humano e o Fim de uma Era
A missão STS-51-A e o voo livre de Dale Gardner e Joe Allen representaram o auge do programa MMU. A mochila a jato foi usada em apenas três missões do ônibus espacial em 1984. Infelizmente, o desastre da Challenger em 1986 mudou drasticamente as políticas de segurança da NASA. A agência se tornou muito mais avessa ao risco, e a ideia de ter um astronauta voando livre e desamarrado no espaço foi considerada perigosa demais. A MMU foi aposentada.
No entanto, o legado da missão perdura. Ela provou a viabilidade da construção e reparo de estruturas no espaço, um conceito que foi fundamental para a construção da Estação Espacial Internacional (ISS). Uma versão menor e mais segura da MMU, chamada SAFER, é hoje um equipamento de emergência padrão para todos os astronautas que fazem caminhadas espaciais na ISS. Se um astronauta se soltar acidentalmente, o SAFER tem jatos suficientes para permitir que ele voe de volta para a segurança.
A história do astronauta Dale Gardner nos lembra de uma era de ouro da exploração espacial, uma época de ousadia e experimentação. A imagem dele, sozinho no vácuo, segurando um “arpão” improvisado com o mundo aos seus pés, continua a ser um dos testemunhos mais poderosos da coragem humana e de nossa vontade incansável de alcançar as estrelas.
O astronauta Dale Gardner e seu companheiro Joe Allen realizaram uma das missões mais ousadas da era espacial. Ao se tornarem os primeiros “satélites humanos”, eles não apenas resgataram dois satélites multibilionários, mas também empurraram os limites do que era considerado possível. A imagem de Gardner quando ele flutuou no espaço livremente continua a inspirar, um símbolo poderoso da engenhosidade, da coragem e do espírito de exploração que nos leva a nos aventurarmos no grande desconhecido.

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