
Imagine a cena: você está em um passeio tranquilo pelo zoológico, esperando ouvir o canto exótico dos animais ou talvez algumas palavras imitadas por um pássaro falante. De repente, um coro de impropérios irrompe, não de visitantes irritados, mas de cinco papagaios cinzentos-africanos, famosos por sua capacidade de imitação. Essa não é uma história de ficção, mas um evento real que aconteceu no Lincolnshire Wildlife Park, na Inglaterra, em 2020, quando um grupo de papagaios foi separado por xingar os visitantes.
O incidente, que viralizou rapidamente, levanta uma questão fascinante: será que esses pássaros realmente entendem o que estão dizendo ou estão apenas repetindo sons? A ciência tem revelado detalhes surpreendentes sobre a inteligência vocal dessas aves, desafiando nossas percepções e mostrando que há muito mais por trás de suas “palavras” do que imaginamos.
Como Papagaios Aprenderam a Xingar em Cativeiro?
A capacidade vocal dos papagaios é amplamente estudada, e a ciência por trás de sua mímica é complexa. A espécie Psittacus erithacus, conhecida como papagaio-cinzento-africano, é particularmente famosa por sua habilidade de reproduzir a fala humana. Um estudo de 2018 publicado na Current Biology por pesquisadores da Universidade de Leiden, na Holanda, destacou que papagaios aprendem por imitação e associação, mas em ambientes sociais específicos.
No caso do Lincolnshire Wildlife Park, os papagaios, resgatados de lares diferentes e agrupados em quarentena, rapidamente se “contaminaram” com a linguagem uns dos outros e, possivelmente, com interações iniciais com cuidadores ou ex-tutores que utilizavam linguagem inadequada. A convivência em um ambiente onde palavrões eram proferidos, seja por humanos ou por outros pássaros, reforçou esse comportamento. Eles não necessariamente compreendem o significado semântico profundo das palavras, mas associam sons a reações e contextos, como a atenção que recebiam ao xingar.

A Separação de Papagaios Foi Uma Medida Cientificamente Correta?
A decisão de separar os papagaios, embora hilária, tem respaldo na etologia, a ciência que estuda o comportamento animal. A mudança de ambiente e a realocação são estratégias comuns para modificar ou extinguir comportamentos indesejados em animais de cativeiro. De acordo com o Journal of Applied Animal Welfare Science, a exposição contínua a estímulos que reforçam um comportamento, mesmo que seja a atenção dos visitantes rindo dos impropérios, tende a perpetuá-lo. Separar os pássaros visava quebrar o ciclo de reforço social entre eles e com o público.
Além disso, a socialização dos papagaios é crucial. Colocá-los em novos grupos, com aves de temperamento mais calmo ou em um ambiente com menos estímulos negativos, permite que eles aprendam novos sons e associem a interações mais positivas. Essa técnica de enriquecimento ambiental e manejo comportamental é aplicada em diversas espécies para garantir o bem-estar e o comportamento natural dos animais em zoológicos.
A Inteligência dos Papagaios É Maior do Que Imaginamos?
Os papagaios não são apenas repetidores de sons; sua inteligência é frequentemente comparada à de uma criança de 3 a 5 anos. Pesquisas com papagaios-cinzentos-africanos, especialmente o famoso Alex, do Dr. Irene Pepperberg, demonstraram habilidades cognitivas impressionantes. Alex conseguia identificar mais de 100 objetos, cores e formas, e até mesmo construir frases simples com alguma compreensão contextual.
Um estudo de 2005 publicado na Nature destacou a capacidade de Alex de entender conceitos como “diferença” e “similaridade”, habilidades que transcendem a mera imitação. Os papagaios possuem uma estrutura cerebral específica, o “núcleo vocal”, que lhes permite não apenas imitar, mas também aprender a usar vocais em contextos sociais para se comunicar. Eles podem imitar tons de voz, sotaques e até expressar frustração ou alegria através de sons específicos, o que sugere uma conexão profunda entre a linguagem e a emoção.
Quando os papagaios xingaram no zoológico, pode ser que eles estivessem testando limites ou simplesmente chamando atenção, um comportamento comum entre aves sociáveis que buscam interagir com seu ambiente e seus “companheiros” humanos. Eles não tinham a intenção maliciosa humana por trás dos palavrões, mas a capacidade de aprender e reproduzir esses sons demonstra uma inteligência vocal e social notável.
Como Interagir Melhor Com Papagaios e Evitar “Lições” Inadequadas?
A interação com papagaios exige responsabilidade e paciência. Se você tem ou pretende ter um papagaio, o cuidado com a linguagem é essencial. Essas aves são como esponjas, absorvendo os sons e as palavras do ambiente. Comece ensinando palavras e frases simples, associadas a ações e objetos. Por exemplo, ao dar comida, diga “comer”; ao vê-lo brincar, diga “brincar”. A repetição constante e positiva é a chave. Evite gritar ou usar tons agressivos perto do pássaro, pois ele pode associar esses sons a interações e reproduzi-los.
É importante lembrar que o papagaio é um animal social e precisa de estímulo constante. Brinquedos interativos, diferentes ambientes sonoros (como música clássica em vez de discussões acaloradas) e a interação regular com seus tutores são cruciais para o bem-estar mental da ave. Educar um papagaio é uma jornada de paciência e afeto, garantindo que ele aprenda a interagir de forma positiva e enriquecedora, evitando que acidentalmente ele aprenda “lições” que possam levá-lo à “detenção” como nossos amigos do zoológico. A cada som, a cada palavra, você está moldando o ambiente vocal do seu pássaro.
Os papagaios do Lincolnshire Wildlife Park nos deram uma lição valiosa: a complexidade da inteligência animal e a influência do ambiente sobre ela. A história hilária desses papagaios nos lembra da nossa própria responsabilidade em moldar o mundo ao nosso redor, seja para humanos ou para nossos amigos emplumados. Reflita sobre a linguagem que você usa e o impacto que ela pode ter, talvez, até mesmo, em um pássaro falante.