
Todos nós aprendemos na escola a famosa fórmula: a² + b² = c². O Teorema de Pitágoras, a base da geometria, nomeado em homenagem ao sábio grego que teria desvendado a relação entre os lados de um triângulo retângulo. É um dos pilares da matemática, uma verdade universal associada a um nome icônico. Mas e se a história que nos contaram não estiver completa? E se Pitágoras não foi o primeiro a descobrir essa relação matemática fundamental?
Uma pequena tábua de argila, empoeirada pelo tempo e coberta de inscrições cuneiformes, está forçando o mundo a repensar essa história. Conhecida como Si.427, esta relíquia da antiga Babilônia, datada de cerca de 3.700 anos atrás, prova de forma conclusiva que o conceito por trás do Teorema de Pitágoras já era conhecido e utilizado de forma prática mais de mil anos antes do nascimento do próprio Pitágoras. A descoberta é uma reviravolta na história da matemática, revelando que o conhecimento humano é muito mais antigo e conectado do que imaginávamos.
Uma relíquia de agrimensura
A tábua Si.427 não é um texto filosófico ou um tratado matemático abstrato. É algo muito mais prático: um documento de um agrimensor babilônio. Esculpida em argila por volta de 1770 a.C., ela descreve um pedaço de terra que estava sendo vendido. O que torna este objeto tão extraordinário são as linhas e os números gravados em sua superfície. O agrimensor precisava delinear os limites da propriedade de forma precisa, e para isso, ele precisava criar ângulos retos perfeitos.
Para fazer isso, ele usou uma técnica que hoje conhecemos como “triplos pitagóricos”. São conjuntos de três números inteiros que se encaixam perfeitamente na fórmula de Pitágoras (como 3, 4 e 5, pois 3² + 4² = 5²). A tábua mostra vários desses triplos, usados para construir os perímetros do terreno. Essencialmente, o documento é um exemplo prático da aplicação da geometria pitagórica em um problema do dia a dia, como a demarcação de um lote.
O segredo escondido na argila
Esta não é a primeira vez que vemos indícios do conhecimento babilônico. Outra tábua famosa, a Plimpton 322, já intrigava os historiadores há décadas. Ela contém uma longa lista de triplos pitagóricos em um sistema numérico de base 60, mas seu propósito exato era um mistério. A descoberta da Si.427 foi a peça que faltava no quebra-cabeça, pois ela mostra o contexto prático em que todo aquele conhecimento teórico era aplicado.
Os babilônios não estavam apenas brincando com números por curiosidade. Eles estavam usando essa matemática sofisticada para resolver problemas complexos de engenharia, construção e administração de terras. Eles precisavam dividir campos de forma justa após as enchentes anuais dos rios Tigre e Eufrates, e para isso, a precisão geométrica era fundamental. A tábua Si.427 é a mais antiga evidência conhecida de geometria aplicada, um vislumbre da mente prática e avançada dessa antiga civilização.
Então, quem foi Pitágoras?
Isso significa que Pitágoras era uma fraude? Não exatamente. A história é mais complexa. Pitágoras, que viveu por volta de 570 a.C., foi uma figura seminal que fundou uma escola de filosofia e matemática. É muito provável que ele não tenha sido o “inventor” do teorema, mas sim o responsável por formalizá-lo e prová-lo de uma maneira abstrata e universal. Ele transformou uma ferramenta prática em um princípio matemático fundamental.
O conhecimento babilônio era focado no “como”, em resolver problemas práticos. A grande contribuição dos gregos, como Pitágoras, foi perguntar o “porquê”. Eles buscaram a prova lógica por trás da fórmula, mostrando que ela se aplicava a todos os triângulos retângulos, não apenas a alguns exemplos com números inteiros. Portanto, o legado de Pitágoras não é diminuído, mas colocado em um novo contexto: ele foi um genial sistematizador e teórico, que construiu sobre um conhecimento prático muito mais antigo.
Uma nova perspectiva sobre a história
A revelação de que o Teorema de Pitágoras é, na verdade, um conhecimento babilônico, nos força a abandonar a ideia de que a história do pensamento é uma linha reta, com “gênios” isolados que têm ideias do nada. Em vez disso, ela nos mostra uma teia de conhecimento que foi passada, adaptada e refinada através de diferentes culturas e milênios. Os babilônios, os egípcios, os gregos, todos estavam em um grande diálogo que atravessou séculos.
Essa descoberta é um ato de humildade para a nossa visão moderna. Ela nos lembra que civilizações antigas eram incrivelmente sofisticadas e que ainda há muitos segredos escondidos em tábuas de argila e papiros empoeirados nos museus do mundo. Cada inscrição cuneiforme pode conter a chave para reescrever um capítulo da história humana, mostrando que nossa jornada coletiva em busca de conhecimento é uma saga muito mais rica e antiga do que pensamos.
O conhecimento não tem dono
A história da tábua Si.427 e do Teorema de Pitágoras é uma poderosa lição sobre a natureza do conhecimento. Ele não pertence a uma única pessoa ou cultura, mas é uma herança compartilhada que evolui ao longo do tempo. Pitágoras continua sendo uma figura gigante na matemática, mas agora o vemos como parte de uma tradição muito maior. E os anônimos agrimensores da Babilônia, que usavam essa geometria para medir a terra há quase quatro mil anos, finalmente recebem o crédito que merecem como os pioneiros silenciosos da matemática.