
Em uma sala de aula na Espanha, a lição do dia não envolve matemática ou história. Um grupo de adolescentes, meninos e meninas, se concentra em suas tarefas com atenção. Alguns estão aprendendo a costurar um botão em uma camisa, outros a ligar uma máquina de lavar, a passar uma peça de roupa sem deixar vincos ou a seguir uma receita simples para preparar uma refeição. Esta não é uma aula de economia doméstica dos anos 50; é uma revolução silenciosa acontecendo em escolas que decidiram ensinar a ferramenta mais poderosa para a igualdade de gênero: a responsabilidade compartilhada.
A iniciativa, que começou em um colégio na Galícia e está inspirando outras escolas por todo o país, parte de uma premissa simples, mas profundamente transformadora: as tarefas domésticas não têm gênero. Ao ensinar habilidades práticas da vida cotidiana para todos os alunos, independentemente de serem meninos ou meninas, essas escolas estão desmantelando estereótipos de longa data e preparando uma nova geração de homens e mulheres para se verem como parceiros iguais, tanto no mercado de trabalho quanto em casa.
A lição que não está nos livros
O projeto nasceu da observação de professores que notaram que, embora a igualdade de gênero fosse discutida em teoria, na prática, muitos dos seus alunos ainda replicavam papéis tradicionais em casa. As meninas eram frequentemente as que ajudavam mais nas tarefas domésticas, enquanto os meninos eram poupados dessas responsabilidades. A escola entendeu que, para que a igualdade fosse real, ela precisava ser prática. Não adiantava apenas falar sobre o assunto; era preciso ensinar as habilidades que tornam a independência e a cooperação possíveis.
Assim, foram criadas as aulas de “Tarefas do Lar”. De forma voluntária, os alunos, em sua maioria meninos, se inscrevem para aprender tudo aquilo que, por gerações, foi considerado “trabalho de mulher”. Eles aprendem os fundamentos da cozinha, como preparar pratos saudáveis e nutritivos, a importância da limpeza e da organização, e até mesmo habilidades manuais como pequenos reparos de costura e marcenaria.
Desconstruindo o machismo na prática
O objetivo do curso vai muito além de ensinar a passar uma camisa. Trata-se de cultivar a empatia e o respeito. Ao aprenderem na prática o esforço e a habilidade necessários para manter uma casa funcionando, os meninos passam a valorizar um trabalho que muitas vezes é invisível e desvalorizado. Eles entendem que cuidar de si mesmo e do ambiente em que vivem é uma responsabilidade de todos, não uma obrigação feminina.
A reação dos alunos tem sido extremamente positiva. Muitos relatam que as aulas são divertidas e, o mais importante, empoderadoras. Eles se sentem mais autônomos e preparados para a vida adulta, orgulhosos de não dependerem de suas futuras parceiras, irmãs ou mães para realizar tarefas básicas. A iniciativa está mostrando que a masculinidade não é enfraquecida pela capacidade de cuidar, mas sim fortalecida pela autossuficiência e pelo respeito.

O efeito dominó em casa
Um dos resultados mais interessantes do projeto é o impacto que ele está tendo fora dos muros da escola. Os pais dos alunos relatam que seus filhos estão mais participativos em casa, tomando a iniciativa para cozinhar, limpar e ajudar com as tarefas sem que precisem ser solicitados. A lição aprendida na sala de aula está sendo levada para a dinâmica familiar, promovendo o diálogo e incentivando uma divisão de trabalho mais justa entre todos os membros da família.
A iniciativa virou notícia na Espanha e no mundo, gerando um debate importante sobre o papel da educação na construção de uma sociedade mais igualitária. Outras escolas estão começando a replicar o modelo, entendendo que a educação para a igualdade precisa incluir competências para a vida. A ideia de que “isso é coisa de menina” ou “isso é coisa de menino” está sendo ativamente desconstruída, um ponto de costura e uma receita de cada vez.
Preparando homens e mulheres para o futuro
Em um mundo onde as mulheres ocupam cada vez mais posições de destaque no mercado de trabalho, a desigualdade na divisão das tarefas domésticas continua a ser uma das maiores barreiras para a igualdade plena. As mulheres ainda enfrentam a chamada “jornada dupla”, trabalhando fora e assumindo a maior parte das responsabilidades em casa. Iniciativas como a das escolas espanholas atacam a raiz desse problema.
Ao equipar os meninos com as mesmas habilidades e a mesma mentalidade de responsabilidade que as meninas, a escola está formando uma geração de homens que serão parceiros melhores, pais mais presentes e profissionais mais completos. Estão ensinando que o verdadeiro trabalho em equipe começa em casa e que a colaboração é a base de qualquer relacionamento saudável e igualitário.
A educação como ferramenta de mudança
A iniciativa das escolas espanholas é um lembrete poderoso do potencial transformador da educação. Ela nos mostra que, para construir um futuro mais justo, não basta mudar as leis; é preciso mudar as mentalidades e os costumes, e o lugar ideal para começar é na sala de aula. Ensinar um menino a cozinhar ou a costurar não é apenas sobre a tarefa em si; é sobre ensiná-lo a ser um ser humano completo, capaz, responsável e, acima de tudo, igualitário. É uma lição simples, mas que tem o poder de redesenhar o futuro.