
No verão de 2018, nas águas do Pacífico que se estendem entre os Estados Unidos e o Canadá, o mundo testemunhou um dos atos de luto mais profundos e comoventes já registrados na natureza. A protagonista desta história de partir o coração é uma orca chamada Tahlequah, ou J35, como é conhecida pelos cientistas. Após dar à luz uma fêmea que sobreviveu por apenas meia hora, Tahlequah se recusou a deixar sua filha ir. Em um ato de amor e desespero, ela começou a carregar o corpo sem vida do filhote, equilibrando-o em sua cabeça ou empurrando-o com o focinho para mantê-lo na superfície.
O que se seguiu não foi um evento de algumas horas, mas uma procissão de luto que durou 17 dias e se estendeu por mais de 1.600 quilômetros. A jornada de Tahlequah se tornou uma vigília global. Cientistas, ambientalistas e o público em geral acompanharam, com o coração apertado, a saga daquela mãe que não conseguia se despedir. Seu ato não era apenas um comportamento instintivo; era uma demonstração inegável de luto, um “tour de tristeza”, como os pesquisadores o chamaram, que expôs a complexa vida emocional desses magníficos mamíferos marinhos e se tornou um poderoso símbolo da crise que sua espécie enfrenta.
O nascimento e a perda em alto mar
Para o grupo de orcas de Tahlequah, conhecido como as Orcas Residentes do Sul, o nascimento de um novo filhote era um evento de imensa esperança. Esta população de orcas está criticamente ameaçada de extinção, e cada novo membro é vital para sua sobrevivência. Quando Tahlequah deu à luz sua filha, a primeira a nascer no grupo em três anos, houve uma breve celebração. Mas a alegria durou pouco. O filhote, fraco, morreu em seus braços menos de uma hora depois.
Foi então que começou o comportamento que ninguém esperava. Em vez de abandonar o corpo, como seria o ciclo natural, Tahlequah o ergueu para fora d’água, recusando-se a deixá-lo afundar. Outros membros de sua família se revezavam para ajudá-la, apoiando o corpo do filhote enquanto a mãe exausta precisava mergulhar para caçar. A família inteira parecia estar de luto, cercando Tahlequah em um círculo de apoio silencioso, uma demonstração de laços sociais de uma profundidade que mal começamos a entender.
A jornada de uma mãe inconsolável
Durante 17 dias, a rotina foi a mesma. Tahlequah equilibrava o corpo de seu filhote, nadando lentamente, lutando contra a exaustão e a decomposição. Ela estava visivelmente sofrendo. Os pesquisadores que a monitoravam à distância relataram que ela parecia magra e cansada, pois o esforço de carregar o filhote a impedia de caçar de forma eficaz. A cada dia que passava, o mundo se perguntava: quando ela vai parar? A preocupação com a sua própria sobrevivência crescia.
A jornada de luto de Tahlequah foi um esforço físico e emocional monumental. Ela estava, essencialmente, realizando um funeral que se recusava a terminar. Seu ato transcendeu a biologia e se tornou uma narrativa universal de amor maternal e perda. Para os cientistas que estudam o comportamento animal, foi a evidência mais longa e dramática de comportamento de luto já vista em uma orca, desafiando nossas noções sobre a consciência e as emoções de outras espécies.

O que a ciência diz sobre o luto animal
O comportamento de Tahlequah forçou uma discussão global sobre a senciência animal. As orcas têm cérebros grandes e complexos, com áreas associadas a emoções e ao pensamento social que são, em alguns aspectos, mais elaboradas que as dos humanos. Elas vivem em estruturas familiares matriarcais muito unidas, se comunicam através de dialetos complexos e demonstram comportamentos de cooperação, ensino e, como vimos, de luto.
Os cientistas evitam usar termos humanos como “amor” ou “tristeza” para descrever o comportamento animal, mas no caso de Tahlequah, foi difícil encontrar outra explicação. Ela estava exibindo todos os sinais de um luto profundo. Sua persistência não parecia ser por confusão, mas por uma necessidade de manter o vínculo com seu filhote pelo maior tempo possível. Seu ato nos obrigou a confrontar a possibilidade de que o abismo emocional entre nós e eles seja muito menor do que gostamos de acreditar.
Um símbolo de uma crise maior
A jornada de Tahlequah também se tornou um poderoso símbolo da situação desesperadora de sua família, as Orcas Residentes do Sul. Esta população única, que se alimenta quase exclusivamente de salmão-rei, está à beira da extinção devido a três ameaças principais causadas pelo homem: a falta de comida, devido ao colapso das populações de salmão; a poluição química, que se acumula em seus corpos e pode ser passada para os filhotes através do leite materno; e a perturbação causada pelo ruído de navios, que interfere em sua capacidade de caçar usando a ecolocalização.
A morte do filhote de Tahlequah não foi um evento isolado; foi um sintoma de um ecossistema doente. A alta taxa de mortalidade de filhotes e de gestações mal sucedidas no grupo está diretamente ligada à escassez de salmão. A mãe simplesmente não consegue encontrar comida suficiente para sustentar a si mesma e à sua cria. A triste procissão de Tahlequah foi, portanto, um protesto silencioso, uma acusação visual do impacto de nossas ações sobre o oceano.
A mensagem que ecoa nas ondas
No 17º dia, Tahlequah finalmente deixou seu filhote afundar e se juntou à sua família para caçar. Ela sobreviveu. E, em um final de esperança que emocionou o mundo, dois anos depois, ela deu à luz um novo filhote, desta vez um macho saudável e cheio de vida. Mas a história de sua “turnê de tristeza” nunca será esquecida. Ela nos deu um vislumbre da alma de outra espécie, revelando uma capacidade de sentir que é tão profunda e poderosa quanto a nossa. A mensagem de Tahlequah continua a ecoar nas ondas, um apelo para que olhemos para o mundo natural não apenas com a nossa mente, mas também com o nosso coração.