
Na busca por curas e tratamentos para doenças devastadoras, às vezes a resposta não está em uma molécula nova e caríssima, mas escondida em um remédio antigo e esquecido, esperando para ter seu verdadeiro potencial revelado. É exatamente o que uma equipe de cientistas descobriu recentemente em uma pesquisa que está trazendo uma nova e imensa esperança para milhões de pessoas que enfrentam a perda de visão. Um medicamento barato e amplamente conhecido, usado há mais de 70 anos para tratar o alcoolismo, pode ser a chave para reverter alguns tipos de cegueira.
O remédio em questão é o dissulfiram, um composto que causa reações desagradáveis ao consumo de álcool. Agora, pesquisadores do Instituto Nacional do Olho dos Estados Unidos descobriram que ele tem um segundo superpoder totalmente inesperado: a capacidade de combater a perda de visão causada por doenças como a retinose pigmentar. A descoberta, publicada em uma importante revista científica, é um exemplo clássico de “reposicionamento de fármacos” e pode acelerar drasticamente o desenvolvimento de uma nova terapia para condições até então consideradas incuráveis.
A doença que apaga a luz
Para entender a importância desta descoberta, é preciso conhecer a devastação causada pela retinose pigmentar. Trata-se de um grupo de doenças genéticas raras que levam à degeneração progressiva das células fotorreceptoras da retina, as células que captam a luz e nos permitem ver. Os pacientes geralmente começam a perder a visão noturna e periférica na juventude, um processo que avança lentamente, como se as luzes do mundo estivessem sendo apagadas uma a uma, muitas vezes levando à cegueira total na meia-idade.
Até hoje, não existe uma cura eficaz para a retinose pigmentar. Os tratamentos disponíveis, quando existem, apenas retardam a progressão da doença em alguns casos. A vida dos pacientes é uma corrida contra o tempo, uma luta para preservar o máximo de visão possível. A busca por uma terapia que pudesse não apenas parar, mas talvez até reverter parte dos danos, sempre pareceu um objetivo distante, um sonho para o futuro.
A conexão que ninguém esperava
A grande virada na pesquisa veio de um ângulo surpreendente. Os cientistas não estavam procurando por um remédio para a cegueira, mas estudando o papel de uma molécula específica, o ácido retinoico, no olho. Eles sabiam que níveis excessivos de ácido retinoico na retina podiam ser tóxicos para as células fotorreceptoras, contribuindo para a sua degeneração. A pergunta era: existe uma maneira de controlar esses níveis e proteger as células da visão?
Foi então que eles tiveram uma ideia genial. Eles começaram a procurar em bancos de dados de medicamentos já existentes por algum composto que fosse conhecido por reduzir a produção de ácido retinoico no corpo. E para a surpresa de todos, um candidato se destacou: o dissulfiram. O mesmo remédio que por décadas foi usado para ajudar pessoas a largar o álcool, atuava exatamente na via metabólica que eles queriam bloquear. A conexão improvável estava feita.

Devolvendo a visão em laboratório
Com essa hipótese em mãos, a equipe partiu para os testes. Em experimentos com modelos animais de retinose pigmentar, os resultados foram simplesmente espetaculares. Os animais tratados com dissulfiram não apenas tiveram a degeneração de suas retinas interrompida, mas em alguns casos, mostraram sinais de recuperação da visão. O medicamento conseguiu proteger as células fotorreceptoras da morte e restaurar parte de sua função.
O dissulfiram parece funcionar como um “interruptor de segurança”, diminuindo a produção do ácido retinoico tóxico e dando às células da retina a chance de sobreviver e se recuperar. Por ser um medicamento que já tem um longo histórico de uso em humanos, seu perfil de segurança é bem conhecido. Isso significa que o caminho para os testes clínicos em pacientes com retinose pigmentar pode ser muito mais curto e rápido do que seria para um medicamento completamente novo.
Um futuro mais brilhante à vista
A notícia deste estudo, divulgada em meados de 2025, causou uma onda de otimismo entre pacientes e oftalmologistas. A possibilidade de usar um remédio oral, barato e acessível para tratar uma causa de cegueira é revolucionária. Além da retinose pigmentar, os pesquisadores acreditam que o dissulfiram pode ser eficaz contra outras doenças da retina que envolvem mecanismos semelhantes, como a degeneração macular relacionada à idade.
Claro, ainda há um caminho a ser percorrido. Os ensaios clínicos em humanos são o próximo passo crucial para confirmar se os resultados promissores vistos em laboratório se traduzirão em benefícios reais para os pacientes. No entanto, a lógica científica por trás da descoberta é sólida e a esperança que ela acende é imensa. É a prova de que soluções transformadoras podem estar bem debaixo do nosso nariz.
A esperança encontrada em uma velha prateleira
A história do dissulfiram e da cegueira é um belo lembrete do poder da curiosidade científica e da criatividade. Ela mostra que um medicamento criado para um propósito pode guardar segredos capazes de mudar vidas de uma maneira totalmente diferente. Para milhões de pessoas que vivem com a incerteza da perda de visão, esta descoberta não é apenas uma notícia; é a luz mais brilhante que surgiu no horizonte em muito tempo, a promessa de que um dia será possível não apenas parar a escuridão, mas talvez até mesmo fazê-la recuar.